quarta-feira, 18 de março de 2009

Escutatória




Já era fa de Rubem Alves antes mesmo de ler essa pérola escrita por ele.
Recebi esse email da amiga Cris Haddad e parei com tudo...de falar.... principalmente! Para me concentrar nesta leitura...
Vamos envelhecendo e mudando conceitos, sempre achei que falo demais...
Muitas vezes o que dissemos pouco importa a quem nos ouve, ou quase nada modifica ou acrescenta.
Estamos entao gastando energia desnecessária?
Já esperamos um silêncio como resposta.
Parafraseando...nao é o bastante ter boca para se dizer o que precise ser dito...
falamos com os olhos no silêncio!...
O melhor a fazer é falar o que realmente precise muito ser dito
algo que venha da alma ...
algo que já tenha passado pelas "peneiras" e amadurecido em pensamentos...






Escutatória


Rubem Alves





Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.

Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.

Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.

Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas.

Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro:

Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.

É preciso também que haja silêncio dentro da alma.

Daí a dificuldade:

A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...

Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.

Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...

E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.

No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.

Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.

Há um longo, longo silêncio.

Vejam a semelhança...

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...

Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.

Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...

Pensamentos que ele julgava essenciais.

São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.

Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.

Na verdade, não ouvi o que você falou.

Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.

Falo como se você não tivesse falado.

Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.

É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.

E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência...

E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.

No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.

Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...

Que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.

Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

5 comentários:

Anônimo disse...

Renata, assim como vc. sou super fã de Rubem Alves, inclusive já tive uma escola nos moldes da Escola da Ponte que ele tanto reverenciou em seu livro "A Escola Que Sempre Sonhei....", este texto fala realmente na alma da gente.
Bjs.
Janeisa

Semeando disse...

Gostei muito do texto, Renata.
lembrei de um retiro de carnaval que fizemos uma vez.
era um retiro de silêncio.
não falávamos nem para nos cumprimentar.
nos comunicávamos com gestos, sorrisos.
só ouvíamos som de louvor, nas músicas e orações.
foram quatro dias em que eu mais escutei a voz de Deus falando dentro de mim.
qdo me calei.
foi uma experiência maravilhosa... recomendo.
um abraço e fique com Deus.

dollystar disse...

Olá Renata, parabéns por sua página.
Te indiquei para um Selinho, para tanto deve passar na minha página e pegar as devidas orientações.
Abraços, Dolly

Lourdes Sabioni disse...

Rubem Alves é a nossa salvação em tempos globalizados e medíocres! Também sou fã dele, estou sempre lendo seus livros. Me dói muito ler seus últimos textos em que o próprio diz estar "namorando a morte"...Enquanto a dita cuja não vem, vamos apreciando essa delícia de Deus entre nós! Bjs

dollystar disse...

tô ficando maluca menina...o selinho está no outro blog...vai lá e pegue seu selo calcinha...bjs Dolly
http://saborearoma.blogspot.com

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