O carnaval e o tempo
Marchinhas alegres, jovens mamães de shorts e cheiro de lança-perfume, mesmo nos bailes infantis, são minhas lembranças mais remotas do carnaval, no Rio de Janeiro dos anos 50. Adolescente em Copacabana, eu via a excitação dos adultos com o carnaval como oportunidade única de evasão e liberdade numa sociedade conservadora e provinciana.
A sensação era de que o carnaval tudo permitia, todos os desvios e excessos, todas as liberdades negadas durante o resto do ano. Beber, cheirar lança-perfume, beijar a boca de estranhos, apaixonar-se, até mesmo transar, viver um romance de carnaval. Pacatos pais de família saíam fantasiados de mulher no sábado e só voltavam na quarta-feira, eram recebidos como se nada houvesse acontecido, e a vida continuava.
O carnaval era a grande válvula de escape numa sociedade muito conservadora e hipócrita, cheia de tabus e moralismos, acentuados pela desastrosa passagem de Janio Quadros pelo poder, que começou com a proibição do biquíni e do lança-perfume.
Também durante a ditadura o carnaval serviu como rara oportunidade de evasão, mas depois da democratização, com a sociedade conquistando todas as suas liberdades, o carnaval passou a ser só mais uma festa popular, a maior delas.
Nos anos 60, antes do carnaval perder a inocência, da marchinha dar lugar ao samba-enredo e ao axé, eram os bailes pré-carnavalescos que incendiavam o desejo e a fantasia dos que não tinham idade para entrar. Eram em boates de Copacabana, à tarde, em dias de semana, o carnaval secreto dos casados e comprometidos, antros de devassidão e luxúria. Lembro-me dos malandros e conquistadores marrentos que diziam que o carnaval era para amadores; o dos profissionais era o ano inteiro.
Hoje, todo mundo encontra o que quiser em raves, bailes funk, escolas de samba, festas punk, clubes de suingue, de sadomasoquismo, boates e saunas gays e héteros, a internet é um carnaval permanente de liberdade, todas as drogas e oportunidades de devassidão estão ao alcance de todos os bolsos, desejos e preferências, todos os dias e noites do ano. O carnaval voltou a ser para amadores.
Este é mais um dos excelentes textos de Nelson Motta.
Texto de Nelson Motta para o Sintonia Fina
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
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